Wednesday, February 28, 2007

Tatuagens na retina

"As Desórbitas do Avesso"
Galeria Arte&Fato
abertura dia 14 de março de 2007, das 19h às 21 h






Tatuagens na retina: desenhos de Antônio Augusto Bueno

Marcia Tiburi
Filósofa

A primeira vez que vi uma imagem de Antônio Augusto Bueno sofri uma espécie de destacamento ocular. Fui avisada, naquilo que é a função de estigmatização do olho, de que algo havia acontecido. Não é exagero. Havia ali algo que provocava marca. Mais que uma marca feita por outra coisa, era a máquina de marcar que estava diante de mim. Daquelas que tatuam a retina para sempre.
As grandes obras de arte têm o poder, como as pessoas pelas quais nos apaixonamos, de exercer certo catapultamento dos olhos para fora de suas órbitas. O olho vai parar na parede, escravizado, a retina se torna ela mesma cativa de uma imagem, seja um rosto, um quadro, uma paisagem. Junto com o olho é todo o terreno da subjetividade que vai junto, arrancado do corpo, como que dele desinstalado, inconformado. É obrigado a uma experiência de desinstauração. Prurido, engasgo, desconforto é o que se dá entre a sensação de visar e continuar sendo alguém com vida e nome próprios.
É nestas horas que a antiga confusão entre alma e corpo, creiamos nela ou não, se torna para nós uma experiência. Junto com o olho parece que inteiros saímos de nós. E não sabemos se acompanhamos o olho ou se voltamos ao corpo. O olho nos lança para fora: aventura é o seu mandamento. Aonde iremos pela mão de uma obra de arte? É preciso perguntar: aonde podemos chegar?
A função do símbolo é a da remessa a qualquer lugar, a um lugar sempre outro, estranho e avesso, uma porta aberta para um mundo cujo significado dispensa aviso. Significado? É como esperar resposta a uma pergunta que apenas se inicia e que impera, ela mesma, como sentido. O que havia ali naqueles desenhos que continuei a ver? Que tanto me perguntavam? Ou era eu quem perguntava? Meus olhos saltaram movidos por excessos de pensamentos cujas formas eu já não podia determinar. Tal era o excesso do pasmo. Não exagero.
Nas obras de Antônio, nesta série de cabeças, que são pedras e mapas, que são paisagens e sombras, não devemos cuidar da nossa projeção. Ela não serve nem como metáfora para interpretar o evento visual e plástico que se abre diante de nossos olhos e nos abre para o que vemos. É a desórbita e o deslocamento pela força do empuxo que sofremos pela imagem que, ela mesmo, é mote de uma expulsão. Esta não é projeção, mas espécie de susto. O que sai de quem vê, o que se expulsa, é o próprio eu em negativo. O meu avesso que encontrou espelho e quer morar fora. Morar fora de mim. Sua é a busca de habitat natural, seu lugar próprio é o estranho. O desenho inteiro é uma pálpebra que se abre e fecha quando quer, na cabeça de um monstro abandonado à sua incógnita. Perde-se na floresta quem olha. Eu me perdi.
Seria algo meu que eu via ali descoberto? Não, o que vemos nas obras não são projeções nossas, se queremos realmente ver, mas por meio delas faz-se a descoberta do outro. Era, portanto, um enigma novo que nada tinha a ver comigo, que não obedecia a nenhuma identificação desejável, mas algo que me renovava. O nome da revolução era o traço.
Quando vi pela primeira vez um desses desenhos perguntei de quem eram? Era evidente o espantoso do feito. Certo efeito de fantasma? Nada mais comum à arte. Nada mais difícil de se fazer presente. A causa de tamanho susto - digam taumazein se lembrarem do espanto que os gregos disseram iniciar a busca pelo conhecimento - vinha da força, uma força que não tem nome de expressão ou comunicação, nem de sentido, nem de simulacro, nem, muito menos, a do significado. Era a força do lápis a riscar a superfície, inconformado. A riscar, riscar e riscar até que o riscado extinguisse a tela. Fazer nascer um sulco, um vinco, um rasgo é renovar, para quem olha, uma morada.

Este rasgo que aparece pela linha transforma-se em arame que ata todas as partes desconexas entre os signos. Potencialidade de gramática, de alfabeto, de trabalho intenso e para sempre. Um estilo novo? Uma geografia potencial?
Sabemos que todo desenho é traço. As obras de Antônio estão no nascedouro da intenção do desenho. Aquela intenção sempre morta pela arte de que fala Walter Benjamin, mas que significa mais que ausência de um desejo do artista, mais que possibilidade de consciência ou inconsciência sobre o que dizer por meio da arte, mais que a vontade do artista e seus intérpretes: certo assassinato projetado do que se podia dizer por meio da obra. Não querer dizer, recusar-se a significar e, ainda assim, remeter a uma ordem provocadora de pasmo. Mundo aberto ao pensamento. A obra de Antônio não precisa dizer nada, ela traça os sinais da própria busca. O belo na arte não é mais a harmonia das formas, mas a atenção defendida na codificação. Ali a garimpagem e a candura do cercamento: caminho, a busca da verdade do traço. Por fim, uma nova lírica como revolução da sensibilidade?

http://www.marciatiburi.com.br
http://artefatogaleria.blogspot.com

Saturday, February 24, 2007

Exposição na Arte&Fato

Abertura: dia 14 de março
Galeria Arte&Fato - Rua São Manoel, 285 - Porto Alegre



























































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Wednesday, February 14, 2007

perfil


Todos desenhos começam assim, de um gesto rápido que forma uma cabeça de perfil. Depois, pelo excesso de linhas a cabeça nem sempre fica evidente pois acabam surgindo outros elementos.

Saturday, February 03, 2007

Um pote torto por natureza




















Um pote torto por natureza.


“ Nem tudo que é torto é errado.
Veja as pernas do Garrincha
e as arvores do cerrado”
Nicolas Behr



Uso o torno como não se deve usar. Ao invés de tentar tornear um pote padrão / regular / partindo sempre de um pedaço de barro bem centralizado , com paredes uniformes - sem bolhas de ar, nem rachaduras - feito com movimentos suaves e comedidos. Procuro sim uma modelagem expressiva, subvertendo dessa maneira a função do torno. Não me preocupo com o amassar do barro, nem com sua centralização no torno, aproveito os movimentos circulares para ao sabor do acaso ir vendo a forma que o próprio torno indica. Ao misturar diferentes tipos de argila, brinco com um nericome casual, onde a sorte ajuda e assim não há explosões nem rachaduras - de vez em quando rasgos, que sempre são bem vindos. Quando o pote já está em ponto de couro, utilizo um esteco, ou uma faca para retalhar a superfície dos potes, fazendo que assim apareçam os veios dos diferentes tipos de argilas, aproveitando para que o pote perca seu formato circular e passe a ter uma forma multifacetada.

Com essa maneira de modelagem em torno vejo pontos de ligação muito fortes e também de continuação com o meu trabalho de modelagem de cabeças, onde o que mais me parece evidente é o registro do gesto compulsivo / nervoso na matéria escolhida que é o barro – na minha opinião o material mais plástico que existe, e, que sendo assim, possibilita que haja a maior liberdade de expressão possível.

Tentando fazer um projeto que una os diferentes tipos de expressão artística que estou acostumado a realizar, pensei em misturar os potes com as cabeças. Utilizando também diferentes materiais como a cera de abelha [comumente utilizada para fundição de bronze na técnica da cera perdida ] arame queimado [ fazendo assim uma certa ligação com a linha do desenho] e a madeira de engradados de verduras que mal recortadas e mal pregadas [muito longe do ângulo de 90°] lembram os potes irregulares feitos no torno, assumindo sem problema algum uma displicência intencional.

Cabeças de cera feitas dentro de potes de cerâmica. Cabeças de cerâmica dentro de caixinhas de madeira. Vice e versa e assim por diante... procurando sempre que o acaso indique o caminho a ser seguido. Mesmo utilizando o torno em movimentos seqüenciados e circulares procuro um gesto livre na modelagem de um pote torto por natureza, onde o padrão se perde na mão que procura algo diferente.